Lia, a menina que esperava ser escolhida
Seu nome é Lia e, embora todos a vissem sorrindo, ela vivia na esperança.
Lia nasceu de duas figuras: presença e medo.
Sua mãe era uma mulher amorosa, afetuosa e protetora... mas seu trabalho, seu cansaço, sua pressa, roubavam os minutos em que Lia mais precisava dela.
Seu pai era uma sombra. Ela não se lembra muito bem dele. Só sabe que ele não estava lá. E essa ausência se tornou uma semente.
Assim, Lia aprendeu a não pedir demais. A não ser um incômodo. A ser boazinha. A merecer carinho se comportando bem. A ganhar amor.
A ferida do abandono não nasceu de um abandono óbvio... mas de um sentimento sutil e imperceptível de não ser vista o suficiente. De não ser prioridade.
E então Lia vestiu um vestido especial:
o da garota perfeita. Sempre limpa. Sempre sorridente. Sempre atenta às necessidades alheias. Mas seu vestido guardava um segredo: por dentro, estava cheio de costuras soltas, de fios rompidos que lhe picavam a pele cada vez que não era escolhida, não era correspondida, não era procurada.
Ela pensava que, se se tornasse mais útil, mais bonita, mais nobre, alguém ficaria.
Ela sentia uma mistura constante de medo e ternura.
Medo de ser abandonada. Ternura por todos... menos por ela.
Ela via a vida como uma espera constante.
Como um teste em que precisava provar que era digna de amor.
E assim os dias, os meses, os anos se passaram... com um sorriso educado por fora
e uma profunda solidão por dentro.
Ela buscava a permanência. Braços que não a deixassem. Olhos que não a deixassem. Um amor que não a fizesse escolher entre sua dignidade e a companhia dele.
Ela se inspirava em cartas, flores, gestos inesperados e também nas histórias de mulheres que aprenderam a se amar sem implorar.
Ela era feliz às vezes... especialmente quando alguém prometia ficar.
Mas sua felicidade desmoronou assim que sentiu a outra pessoa se afastando.
Lía viveu assim por muito tempo... até que um dia, algo mudou.
Ela não estava mais sozinha.
Havia uma mulher — ela mesma — finalmente olhando para ela. Uma mulher que lhe disse:
"Você não precisa mais ser perfeita.
Você não precisa mais esperar.
Estou aqui para você."
E embora Lía ainda tremesse às vezes,
embora se assustasse quando alguém não respondia a uma mensagem ou quando alguém ia embora sem se despedir, ela já sabia que tinha uma voz adulta lhe respondendo. Uma mulher que não a deixaria ir.
______
Depois de muitas luas, muitas despedidas silenciosas e promessas quebradas como espelhos, um dia Lía parou de perseguir qualquer pessoa.
Ela não ficava mais diante de portas fechadas,
nem olhava pelas janelas de um amor que nunca mais voltava. Um dia, ela simplesmente ficou.
Com ela.
E no começo, ela teve medo. Muito medo.
Porque ela não sabia o que fazer com tanto silêncio, com tanto espaço sem "outro". Mas ali, naquele vazio... ela começou a se ouvir.
Ela não esperava mais que alguém lhe dissesse o quanto ela valia. Ou que seus dias fossem preenchidos com flores ou mensagens. Agora ela esperava outra coisa: acordar sem angústia. Rir sem culpa.
Sentir-se suficiente mesmo quando ninguém mais dizia isso.
Ela aprendeu a ficar quando queria fugir.
Ela aprendeu a chorar sem medo de se desfazer.
Ela aprendeu a se olhar no espelho sem se perguntar se era demais.
Ela aprendeu a dizer: "Isso sim, isso não, não vou mais permitir isso."
Ela fez terapia.
Ela escreveu.
Ela conversou com seu corpo.
Ela limpou seu quarto e sua mente.
E, acima de tudo,
ela se despediu da ideia de que o amor verdadeiro sempre chega vestido de intensidade.
Idealizar — ela entendeu — é como colocar flores sobre um abismo. Parece bonito, mas não tem fundo.
E ela aprendeu a olhar a realidade.
Ver o outro com olhos plenos, não com sede. Dizer a si mesma: "Só porque eu gosto da alma dele não significa que vou ignorar o fato de que ele não sabe cuidar da minha."
Ela também entendeu quem deveria evitar:
aqueles que não ficam,
aqueles que fogem quando sentem ternura,
aqueles que só sabem receber,
aqueles que usam suas feridas como desculpa,
aqueles que pedem compreensão eterna sem compromisso.
Porque Lía entendeu algo poderoso:
“Eu não vim ao mundo para ser a reabilitação emocional de ninguém.
Eu vim para ser um lar...
mas também mereço um teto.”
Quando algo a machuca agora, quando uma ferida ameaça se abrir, Lía não se esconde mais. Ela se envolve em palavras gentis,
escreve para si mesma, fala para si mesma, se respeita.
Ela tem três frases que repete como um feitiço:
1. Hoje eu fico comigo mesma.
2. Isso dói, mas eu não sou essa ferida.
3. Não preciso implorar pelo que mereço oferecer.
E assim, dia após dia, ela se reconstrói.
Um dia, em uma biblioteca, enquanto chorava silenciosamente, uma senhora se aproximou dela e lhe deu três livros:
“A Arte de Amar Sem se Perder”... embora ainda não tivesse sido escrito, Lía o estava criando com sua própria vida.
“Mulheres que Correm com os Lobos”… onde ela leu sobre o lobo interior… e se reconheceu. E, “Eu não sou mais aquela garota”… um livro que ainda não havia sido impresso, mas que outra mulher — ela mesma — escreveria um dia, com as mãos. Olhos abertos e a ferida se transformou em uma cicatriz brilhante.
E se Lía se tornar adulta... ela não saberá se é melhor estar sozinha ou acompanhada.
Mas ela saberá disso:
Ela estará melhor acompanhada...
mas nunca mais por alguém que não sabe ser.
E se não houver ninguém,
ela se acompanhará tão bem,
que a solidão não será uma ameaça,
mas uma escolha.
Porque Lía entendeu, finalmente,
que o amor mais importante,
aquele que não poderia falhar,
foi aquele que ela fez para si mesma
quando disse a si mesma:
"Hoje eu não vou deixar ir."
Para Lia, minha ferida de abandono que hoje se cura.
Eu te honro e te abençoo... Eu te beijo e te deixo ir, eu
te deixo ir com amor... Aprendi a lição mais difícil da minha vida: tive que me perder para me encontrar e não precisar mais de ninguém
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